Serviço
Denilson Baniwa
INÍPO: Caminho de Transformação
Locais e visitação:
MARGS | Salas Negras
De terça a domingo, das 10h às 19h (último acesso 18h30)
Praça da Alfândega, s/n – Centro Histórico
27.11.2021 a 09.01.2022
Goethe-Institut Porto Alegre
Diariamente no muro de entrada do Instituto
Rua 24 de Outubro, 112 – Independência
27.11.2021 a 28.02.2022
Casa de Cultura Mário Quintana | Jardim Lutzenberger
De segunda-feira a sábado, das 9h às 18h30
Rua dos Andradas, 736 – Centro Histórico
27.11.2021 a 09.01.2022
Denilson Baniwa
INÍPO: Caminho de Transformação
A primeira exposição individual do artista em Porto Alegre, se apresenta como uma exposição-percurso, com exibição fragmentada em três locais físicos e um virtual: Goethe-Institut Porto Alegre, MARGS, Casa de Cultura Mário Quintana e Instagram. A mostra traz a público trabalhos inéditos e recentes, criados entre 2020 e 2021. Com pintura mural, gravuras digitais, vídeo, lambe-lambe, e um filtro digital interativo. O projeto integra a programação do 7º Festival Kino Beat e é uma correalização do Festival e do Goethe-Institut Porto Alegre.
O percurso sugerido da exposição começa no Goethe-Institut Porto Alegre, com a pintura Muyeréusáwa Rúka no muro de entrada da instituição. O trabalho criado especialmente para o projeto ilustra em mais de 11 metros de superfície os petróglifos, gravuras rupestres que narram fatos e mitos do povo indígena Baniwa; e as Casas de Transformação, locais sagrados de onde surgem os conhecimentos ancestrais. Pintado com cores fluorescentes sob
base escura, o muro terá iluminação noturna com luz ultravioleta (luz negra), criando um efeito visual que remete ao encantamento dos seres da floresta. A instalação também dá continuidade ao projeto de ocupação artística do muro do Instituto realizado desde 2018.
Nas Salas Negras do MARGS, será apresentada a série de gravuras digitais Aquela gente que se transforma em bicho, com três gravuras feitas para exposição, em um total de oito, todas
medindo 120×84. Os trabalhos retratam alguns dos seres duplos (espírito bicho-gente), que na teoria do perspectivismo ameríndio, indica que “tudo o que existe no cosmos pode ser sujeito, mas todos não podem ser sujeitos ao mesmo tempo, o que implica uma disputa.” Na outra Sala, serão exibidos os vídeos Ty Ty – memórias de beija-flor (3min26s) e Floresta- Casa derrubada (A última maloca do fim do mundo) (2min41s). Os vídeos abordam questões de indígenas em contexto urbano, as memórias da floresta, a constante luta por territórios, e as violências da colonização.
Seguindo o percurso rua abaixo, no 5 ̊ andar da Casa de Cultura Mário Quintana, o Jardim Lutzenberger recebe o lambe-lambe de grande dimensão Repovoamento de uma cidade Floresta, colada na fachada da Casa e nas paredes que circundam o jardim suspenso, a figura de um pajé soprando de seu cigarro-sagrado diversas espécies de animais, representa os saberes e poderes da comunicação transcendental do “diplomata do cosmos”. As colagens dos animais se misturam com as muitas espécies de plantas do jardim.
O filtro digital interativo Yawareté, desenvolvido especialmente para exposição, pode ser acessado de qualquer lugar, antes, durante ou depois do percurso, através de um telefone celular com acesso ao aplicativo Instagram. O filtro brinca com a ideia da transformação do
humano em bicho e do bicho em humano. A figura da onça, marca registrada do trabalho de Denilson, surge como uma máscara junto com os animais encantados, os mesmos pintados no mural do Goethe-Institut Porto Alegre. Para testar o filtro, acesse o perfil do Kino Beat no Instagram: @kinobeatfestival na sessão destaque.
A exposição Denilson Baniwa INÍPO: Caminho de Transformação é uma realização do 7º Festival Kino Beat e Goethe-Institut Porto Alegre. A curadoria é de Gabriel Cevallos.
Texto Curatorial
Um traçado sinuoso de três quilômetros marca a distância geográfica entre o muro do Goethe-Institut Porto Alegre, as Salas Negras do MARGS e o Jardim Lutzenberger da Casa de Cultura Mário Quintana. O mapa que ilustra esse caminho, também indica que a caminhada entre os locais que recebem a exposição dura trinta e seis minutos. Mas o dado mais interessante emerge enquanto uma epifania visual: a linha virtual que se forma ao juntar os pontos A, B e C, desenha uma grande serpente espalhada pelo coração da cidade. É a partir desse INÍPO (caminho) com aparência de cobra, que escolhemos o mito da Viagem de Transformação para ser o guia de entrada no universo de Denílson, e dos Baniwa.
Ao fragmentar a mostra para se criar um percurso – um deslocamento físico e virtual para acessar as obras – surge um formato de exposição que simboliza o caminho realizado pela Canoa-Serpente de Transformação ao longo do Rio Negro e seus afluentes. No mito de criação da humanidade segundo a maior parte dos povos indígenas do Alto Rio Negro no Noroeste Amazônico, a canoa-serpente é o local onde os primeiros ancestrais humanos-peixes se formaram no decorrer de um caminho de transformações. A cada parada da canoa, os ancestrais adquiriam conhecimentos e poderes e algum povo e local sagrado se estabelecia.
Os trabalhos exibidos nesta exposição partem deste mito originário para expandir as representações de aspectos relacionados a cosmogonia e contemporaneidade Baniwa: a comunicação transcendental dos pajés, os petróglifos (gravuras rupestres), o contexto urbano, e a perspectiva da essencialidade humana ser partilhada por animais – e também por outros reinos – são alguns dos relatos presentes nas obras.
“A arte indígena sempre conta uma história. É um modo de guardar nossa memória, como se fosse um banco de dados.”, diz o artista. O esgotamento das grandes narrativas que regem o mundo nos últimos séculos aparentam ter chegado em seu ápice no Brasil pandêmico. Assolados por uma complexa crise que atravessa todos os estratos da vida, a busca por histórias que sugerem outras formas de ser e estar no mundo mostram-se não apenas como retórica, mas como um possível caminho para adiar o fim do mundo, como nos ensina o pensador Ailton Krenak. Se as tintas que escreveram a História até agora – parecem falhar em apontar esses caminhos – o generoso arquivo atemporal dos Baniwa, dos Krenak ou de outros povos indígenas ao redor do mundo se mostram disponíveis para consulta, como sempre estiveram. O que estamos fazendo com esses conhecimentos, que entre tantos ensinamentos indicam uma relação mais afetuosa e de cuidado com a casa comum em que vivemos?
Essa exposição-percurso é uma pequena janela para algumas dessas histórias e memórias coletivas, contadas por Denilson Baniwa através de gravuras digitais, vídeos, pintura mural, lambe-lambe e um filtro virtual. A apresentação desse recorte do banco de dados opera num jogo de traduções: “traduções das vozes da floresta, das pedras, da água e de todos os seres vivos. A arte indígena, pode ser aliada no entendimento de mundos, pois ela mesmo, transita entre o ancestral e a plasticidade do mundo moderno.” Complementando Denilson, o artista Jaider Esbell escreve que arte indigena contemporânea não está apenas atrelada ao seu passado, “a ancestralidade é mobilizada no agora, reconfigurando posições enunciativas e relações de poder para produzir outras formas de encontro entre mundos não fundamentadas nos extrativismos coloniais”.
A possibilidade de encontros e alianças entre mundos, a busca por uma comunicação interdependente, as traduções e escutas das vozes de animais, vegetais, minerais e de outros reinos já classificados pela ciência ou fabulados pela arte, são alguns dos pontos que confluem a exposição dentro da programação do 7º Festival Kino Beat.
Cada ponto da exposição-percurso pode ser visto individualmente e compreendido enquanto uma obra ou série de obras autônomas. Seja na rua, museu, jardim ou virtualmente, a fruição é integral em cada local visitado. Mas é na força do percurso que pode-se compreender a totalidade. Propondo uma relação entre obras que não acontece apenas em uma espacialidade confinada, a exposição-percurso se espalha no corpo da cidade, num trajeto serpenteado entre as instituições que torna o caminho entre elas parte da experiência.
Gabriel Cevallos
Denilson Baniwa é artista-jaguar do povo indígena Baniwa. Natural do Rio Negro, interior do Amazonas, atualmente reside no Rio de Janeiro. Seus trabalhos expressam sua vivência enquanto Ser indígena do tempo presente, mesclando referências tradicionais e contemporâneas indígenas e se apropriando de ícones ocidentais para comunicar o pensamento e a luta dos povos originários em diversos suportes e linguagens como canvas, instalações, meios digitais e performances.